quarta-feira, 8 de abril de 2009

Cuba - parte 3

Peço desculpas,mas envio só uma versão resumida.

Cuba - parte 3

Estilita
Como numa boa novela, o melhor ficou pro final. Infelizmente, nesse caso, o texto vai terminar sem soluções fáceis.
Minha primeira opção de hospedagem em Havana era a casa de Nicolas e Rosy, em que fiquei no ano anterior, mas já estava lotada. E posso afirmar que fico feliz que estivesse. Porque foram eles que me indicaram a casa de Estilita, 85 anos e militante do Partido Comunista desde antes da revolução. Foi divertidíssimo estar com ela. Quando a velhinha ficou sabendo que eu era simpatizante de Castro, então, ficou enlouquecida de felicidade. Já me entregou uma montanha de recortes do Granma, que estava reproduzindo os discursos que Fidel fez ou escreveu em 1959 - uma fora de comemorar os 50 anos da revolução. Ela guarda todinhos, e mantém aquele monte de papéis rampeados penduradosna parede, ao lado do calendário.
No primeiro da estada, Estilita me perguntou a que horas eu voltaria para casa na noite. Disse que achava que pela 1h, mas cheguei às 4h. Ficou meio azeda e no dia seguinte meu café da manhã estava marcado para 9h. Acodei no horário combinado e ela não tinha nada pronto, disse que achava que eu não ia aparecer tendo chegado tão tarde. Mas ao cumprir com o prometido, ganhei a velha outra vez. Já conversamos sobre os artigos do Granma, ela me falou do presunto que eu tava comendo, que era brasileiro, disse que eu já podia transitar por onde quisesse na casa. Estilita é uma daquelas velhinhas de pegar e amassar, de tão querida. É toda cheia de graça, como ao dizer, sempre que ia sair, que deveria (ou no caso, deveríamos, já que normalmente eu saia com o camarada Pedro) “me divertir muito e gastar pouco”. E me recomendou não dar qualquer dinheiro a ninguém. “Aqui ninguém morre de fome”, disse, reforçando o que já me haviam afirmado outros, outras vezes.
Estilita tem uma longa história no partidão. Começou a militar em 1953, na clandestinidade. Quando ainda vivia na província de Villa Clara, onde também estavam seus pais, já participava de encontros em que grupos se reuniam para assistir televisão em um barraco, para inteirarem-se do que estava contecendo no mundo e discutir alternativas. Ela contou que seu pai também era militante, embora procurasse ocultar isso dos filhos. Ela só confirmou que ele era comuna quando foi alertada sobre seu possível desaparecimento. O pai de Estilita, quando eclodiu a revolução, tratava de arrumar dinheiro e meios de fazê-lo chegar à Sierra Maestra. Foi assassinado por um oficial do exército que lhe devia uma grana. Estilita disse que o crime nunca foi bem elucidado, mas quando ela encontrou esse oficial, anos depois, ele respondeu que ela deveria ficar calada ou teria o mesmo destino que seu velho. Precisa confissão maior que essa?
Estilita busca estar bem informada. Ainda que os jornais impresso e televisivo não tragam lá muitas coisas, ela se esforça. É fã de Evo Morales. Principalmente pela sua descendência Aimará. E diz que espera que a tão falada integração latinoamericana aconteça. Um dia me perguntou se eu achava que havia solução para nossos problemas e para enfrentar os Estados Unidos. Respondi que eu acreditava que só seria possível se nos aproximássemos e dificultássemos mais as coisas para eles. Ela não entendeu direito e já foi largando: “Com os americanos eu não me integro de jeito nenhum”. Ai reforcei que era integração entre “nosostros”. E ela gostou. “Ya conoci el capitalismo y el socialismo. Y siempre voy a defender el socialismo”, disse. O triste, segundo ela, é que pouca gente acredite que todos possam viver em maior igualdade.
Um dia, Alejandro, um vizinho, estava na casa e começamos a conversar. Queria saber mais sobre o Brasil, se o filme Cidade de Deus traduzia a realidade, e começou a se queixar de que Cuba produz muito pouco. Estavam, por exemplo, felizes que haviam chegado algumas batatas à cidade, e assim estavam matando a saudade de comer batatas fritas. Aí começou a perguntar sobre uma série de produtos e sobre se o Brasil os tinha internamente: manga, maça. Laranja, trigo, soja, feijão, arroz, fumo, cacau, carne, ovos, etc. E eu respondendo, sucessivamente: sim, sim, sim, sim...Até que chegou num ponto em que ele me perguntou como, se temos tudo isso, há tanta desigualdade no Brasil. “Y porque aún son um país pobre?”. Grande pergunta.