quinta-feira, 12 de março de 2009

Cuba - parte 2

Quero só fazer mais um comentário sobre as novelas brasileiras. Especificamente sobre a clássica Escrava Isaura. Lázaro nos contou que no ano em que a novela passou, coincidiu que os capítulos finais foram transmitidos no período do carnaval cubano, que acontece em julho. Resultado? Foi a única vez em que as ruas ficaram sem foliões. Pelo menos até acabar o capítulo da novela, a cidade ficava deserta. Feito o comentário, vamos a...

...Juan
Eu e Pedro conhecemos Juan por intermédio de Lázaro, na noite em que ficamos até a madrugada no boteco. Se apresentou como sendo rastafári e como um grande fã de cinema, inclusive do brasileiro. Batemos um bom papo, ele descrevendo filmes nacionais que tinha visto - e dos quais não lembrava o nome - e eu adivinhando os títulos. Adorou Cidade de Deus, o recente filme do Barreto sobre o ônibus 174 (exibido no festival de cinema latinoamericano de Cuba) e Quem matou Pixote. O cara viu bastante coisa mesmo.
Pois bem, não falamos muito na noite porque ele alternava um bate-papo com umas bailadas com uma cubana. Mas o reencontramos caminhando pela rua, perto do Capitólio. Convidou-nos para irmos com ele para um centro cultural, ouvir salsa. Fomos. No caminho, compramos uma cerveja que uma mulher vendia a preços bem mais baixos. Isso porque ela enchia as garrafas em casa, onde tinha um barril cheio. É a história das ilegalidades. Ali uma moça, muito bonita, diga-se, já pediu para ele me perguntar se eu não tinha interesse nela. Meu, é evidente que tinha, um mulherão daqueles não tem como não ter interesse, mas declinei o convite e seguimos cainhando.
Antes de irmos ao centro cultural, porém, nos levou na casa dele. Foi meio assustador. Entramos por uma porta que dava para um pátio escuro, onde havia pequenas casinhas e apartamentos. Uma péssima impressão, mas nada que no Brasil não se encontre bem pior. O susto maior foi quando entramos no apartamento, cujo acesso era por meio de uma estreitíssima escada caracol. Num lugar de uns 40 meros quarados estavam oito pessoas. Uns quatro na cama, outros em cadeiras ou na cozinha, que ficava na mesma peça. O banheiro era separado por uma cortininha e a água era armazenada em alguns latões e em um tonel. Não sei de onde estava vindo, mas tava lá. A descarga não funcionava. Tinha baratas andando em meio às escovas de dentes.
Mas todo mundo muito simpático e fizeram até cafezinho pra gente. Depois vieram as explicações de quem morava com quem e onde, o que aliviou um pouco a má impressão, já que estávamos com a idéia de que viviam todos empilhados, empilhados. Detalhe é que junto, no apartamento de baixo, que Juan compartilha cm um irmão, vive um cachorro dobermann (risos).
Habitação é um problema que Cuba está buscando resolver, mas com dificuldades. Dois motivos pesam bastante para agravar o tema. O primeiro, a incidência anual de furacões e tornados na Ilha, que deixam pessoas desabrigadas e explica muitos dos casebres que se vislumbram principalmente na região oriental de Cuba, normalmente mais afetadas pelas intempéries.
O outro motivo, é que depois da revolução as casas foram distribuídas entre as famílias que moravam nelas e/ou desapropriadas e entregues a outras. Com isso, por muito tempo houve um descuido com relação a ampliar a oferta de habitação no país. Assim, uma das reclamações dos jovens é não terem seu espaço para morar quando querem deixar suas casas. O problema é que as coisas caminham lentamente pela dificuldade de acesso a materiais de construção. Pelo que nos explicaram, o governo adota o seguinte modelo para viabilizar a habitação aos cidadãos que querem uma nova casa: trabalhar em mutirões comunitários, que tratam de erguer prédios públicos e residências. entre essas edificações feitas pelos grupos de trabalho estará a casa do sujeito que ajudou a construí-las. Como no caso da universidade, em que se exige o cumprimento de um período de trabalho ao governo, uma forma de incentivar a participação e promover a valorização dos recursos repassados pelo Estado aos cidadãos.
Voltando a Juan, na seqüência, fomos ao centro cultural e digamos que ali deu para ter uma idéia ainda melhor de côo os cubanos se divertem. Música, muita música, dança, muita dança, e rum. Aliás, a sensação do momento em Cuba é um rum em caixinha longa vida, que é baratíssimo e o povo toma que nem água. Devem ter fígado de aço. Sério, é uma paulada. O povo se diverte, todo mundo falando alto, trocando de par no salão, enfim, bonito de se ver.
E alí conhecemos Dario, um cara que aparenta uns 40 anos mas já carrega 60 nas costas. Disse que Juan era um mau caráter, um jineteiro, que envergonhava os cubanos fazendo isso. Juan deve ser mesmo, nas horas vagas, mas normalmente trabalha como soldador. Dario disse que gosta muito da cultura afrobrasileira, se apresentou como rasta e afirmou que Juan não o é. E finalmente encontramos um cubano que não gosta das novelas brasileiras. “Elas não mostram nada do que é a realidade do Brasil, assim como as mexicanas não mostram a realidade do México. Então, não me interessam”, disse, seguindo com um discurso de necessidade de integração latinoamericana, da solidariedade que existe entre os cubanos, etc.
O papo foi supervisionado por Juan que depois me perguntou o que Dario tinha me dito. Acho que tomou um susto quando contei a verdade e começou a se justificar. Depois, fomos buscar uma amiga alemã dele, que está com o namorado cubano preso. Não perguntem o motivo porque não nos falaram. Na seqüência, demos uma de perdidos e dissemos que nos veríamos mais tarde, o que não aconteceu.

Cinema e Ópera
O acesso à cultura, para os cubanos, é baratíssimo. Sai quase de graça e os lugares como cinemas e teatros costumam registrar filas gigantescas. No cinema, por exemplo, eu e o Pedro entramos na fila achando que não ia servir todo mundo, até entrar no gigantesco salão em que, sem brincadeira, devem servir umas 500 ou 600 pessoas.
Fomos ver o filme Los Dioses Rotos. Película cubana e recentemente lançada. O filme é até surpreendente pelo conteúdo crítico ao regime. É uma história sobre jineteiros, prostituição, drogas, violência. Baseado em um livro de um autor cubano. O divertido é o comportamento do público. É torcida de futebol. Quando aparece uma cena de sexo – aliás, saímos eu e metade do cinema apaixonados pela Sandra, a personagem principal do filme – é engraçadíssimo. Gente gritando, outros delirando, outros gargalhando. Tenho a teoria de que, como a pornografia é proibida em Cuba (revista de mulher pelada, só na clandestinidade) há uma grande inocência, ainda, em relação ao tema.
Também fomos à opera. Só para se ter uma idéia, o preço do ingresso mais baixo para os cubanos, era de 2 pesos em moeda local ou seja, US$ 0,08. A peça apresentada foi A Flauta Mágica, de Mozart, com uma montagem moderninha, bem interessante, apesar de algumas gracinhas sem a menor graça. A adaptação deixa claro quem é quem na história: quem são os EUA, quem é Fidel, quem é o povo cubano, etc. Bem interessante e também com algumas partes críticas, como quando o personagem principal tem a boca lacrada e diz, com ênfase, que o cadeado é estrangeiro, numa clara alusão à censura nacional. E o legal é que dá para comer pipoca no teatro (kuakuakuakua).

As coisas que irritam
Os cubanos definitivamente não têm problema de auto-estima. É comum, quando se conversa com alguém, que você logo escute um “para que usted sepa”. E isso vale para tudo quanto é assunto, do futebol brasileiro – que alguns crêem conhecer mais que a gente – ao compositor de Garota de Ipanema.
Sobre a música mencionada, aliás, descobrimos uma novidade. Um músico de rua, que veio tocar pra gente, é claro, perguntou se sabíamos quem a tinha composto. Não deu nem tempo de responder. Ele disse que ninguém sabe, que é um grande mistério, que a musa inspiradora era uma qualquer, assim como o compositor é um anônimo. Pobre Vinícius. Pobre Tom. Pobre João.
Outra coisa é o assédio de jineteiros. Normalmente os cubanos não são invasivos. Os que são, realmente estão querendo mais que uma conversa. E às vezes pode ser meio chato se livrar deles, principalmente em Havana. Quando regressei de Santa Clara à capital, um cara me ofereceu hospedagem. Eu disse que já tinha e aí o cidadão começou a caminhar ao meu lado. Conversávamos, até que perguntei onde ele estava indo. A resposta: “onde você quiser ir”. Dei uma risada e disse que a partir de aquele momento eu ia sozinho. O cara ficou desconsertado. Mas aceitou a dispensa.
E existem os grandes enigmas da humanidade. Um deles não se relaciona aos cubanos, especificamente, mas a todos os latinoamericanos. Quando você diz que é o do Brasil logo vem uma enxurrada de palavras soltas. Primeiro, um “Ohhhh, Brasil!” Depois, “Samba!”. Depois, “Futbol!”. Depois, “Carnaval!”. E em raros casos, “Caipirinha!”. O enigma é: por que isso só acontece com brasileiros? Quando é um alemão, ninguém sai falando “chucrute, cerveja e mulher com pêlo no sovaco”. Ou se é italiano, não dispara palavras como “vinho, espaguete e Pavarotti”.
Outro enigma: por que os cubanos são tão curiosos? Sério, fazem perguntas que não servem pra nada. Exemplo? Você pára na rua e pergunta para um guarda se há uma casa de câmbio por perto. Ele responde, perguntando: “você vai sacar com cartão ou trocar dinheiro?”. Qualquer que seja a resposta que você der, provavelmente ele vai dizer que não sabe. Ou seja, perguntou pelo simples hábito de perguntar.
Cuba é um país-prodígio quando se analisam seus indicares educacionais. Mas na educação do dia-a-ida, nos hábitos, eles ainda precisam avançar um pouco. E mais de uma pessoa reforçou isso. Eles são meio afobados para muitas coisas e muito mansos para outras. São afobados na hora de comprar nos mercadinhos, em que vão atropelando. E são umas moças na hora em que estão sendo atendidos, por exemplo, na central telefônica, em que, aparentemente, forma empregados apenas os campeões da paciência ou da lentidão. É raro alguém reclamar. E mais: cada pessoa só faz uma coisa de cada vez, ou seja, se o cara está contado o dinheiro do caixa, pode cair um prédio do lado dele que ele não desvia a atenção. Fica ali, concentrado até terminar. Depois, só depois, vai ver se sobrou alguma coisa do prédio.

Depois remeto a parte 3.

2 comentários:

Unknown disse...

Textos excelentes! Me senti em Cuba! Cadê a parte 3? Valeu!

Unknown disse...

Achei a 3! Valeu Xará Rock'n'Roll! []'s